Lição de Vida

Helena Francisco da Silva - Presidente da Cooperativa Acácia

Ela tem nome de rainha e já enfrentou batalhas comparáveis às de sua xará de uma certa lenda grega. Helena Francisco da Silva não nasceu em Troia, mas em Ibaté, e em vez de um palácio, vive literalmente do lixo. Presidente da Cooperativa Acácia, ela tem sob sua responsabilidade aproximadamente 200 cooperados, que todos os meses juntam cerca de 400 toneladas de materiais recicláveis para comercialização e subsistência de suas famílias.

Helena chegou a Araraquara em 1963, quando tinha apenas seis anos. Veio acompanhando a família: pai, mãe, oito irmãos e todos os animais da casa. "Meu pai trabalhava na Usina da Sé e foi transferido para a Zanin. Lembro da gente no caminhão com gato, galinha e cachorro. Naquela época, tinha muitos animais na casa", recorda.

Mudou para nunca mais voltar. "Não troco Araraquara por nenhuma cidade deste mundo", afirma.

Aqui casou, teve cinco filhos e separou-se. Foi após a separação que a vida apertou. Foi despedida da cozinha de um restaurante em pleno Plano Collor e viu-se sem emprego, sem dinheiro, sem marido e com cinco bocas para sustentar. Sem saída, seguiu o conselho de uma amiga e foi para o aterro catar lixo. Ficou 12 anos nesta vida, vivendo do descarte consumista dos mais favorecidos. "Quando acabou o fubá em casa, o jeito foi achar uma alternativa. Criei meus filhos catando lixo, com muito orgulho", afirma.

No começo, a adaptação foi difícil, mas, com o tempo, a necessidade foi unindo as pessoas que trabalhavam junto com ela, a maioria delas mulheres. Nascia então a Cooperativa Acácia. "Juntamos-nos e resolvemos criar a cooperativa", recorda.

O ano era 2001 e a reciclagem já era o pote de ouro de muitas indústrias. Começou com apenas 40 das 60 famílias que trabalhavam no aterro. Com o tempo, o interesse das pessoas foi crescendo e hoje a Acácia tem aproximadamente 200 cooperados, 80% deles do sexo feminino.

Nestes 22 anos, Helena conseguiu criar e educar os filhos Taís, Tatiane, Rafael, Felipe e Almir, com idades entre 20 e 30 anos. Todos já se casaram e lhe deram, ao todo, oito netos. Ela mesma já arrumou outro companheiro, um "namorido", como brinca.

Hoje mora no Parque São Paulo, na casa que conseguiu erguer com a renda da reciclagem. "Está quase do jeito que eu quero. Só falta acabar a cozinha e comprar alguns eletrodomésticos", conta.

Finalmente a rainha ergueu seu castelo. "O importante nessa vida é ser feliz", sentencia.

 

Cicatrizes do corpo e da alma

A maior batalha enfrentada por Helena Francisco da Silva não foi a pobreza e a fome que enfrentou, mas sim sobreviver a um acidente em que teve 80% do seu corpo queimado. Ela tinha apenas oito anos e ao ascender o fogão à lenha para a mãe, que estava de dieta do irmão recém-nascido, o álcool espalhou-se pelo seu corpo provocando queimaduras de terceiro grau. Foi necessário um ano de internação na Santa Casa de Araraquara, muitas cirurgias e enxertos para a sua recuperação.

Apesar de viver esse drama, Helena não se fez de rogada. "Mantive o bom humor o tempo todo, meu quarto vivia cheio, era uma festa", afirma. As marcas pelo corpo jamais a complexaram. "Sofri muito bullying na escola, mas nunca liguei. Gosto de mim, sou vaidosa, não tenho problema nenhum com as cicatrizes", afirma

Quando se acidentou, o médico não deu esperança de sobrevivência para ela. "Já estou no lucro, cheguei até aqui", brinca.

Ironicamente, o fogo voltou a atravessar sua vida recentemente. Na última terça-feira, um incêndio acarretou danos à cooperativa — justo o dia marcado para ela posar para a foto desta edição especial. A foto teve de ser remarcada para Helena ter tempo de acudir seu negócio, mas foi feita. Afinal, a vida continua e ela não desanima nunca.

 

Por Raquel Santana, em 21/08/2011

fonte: https://www.araraquara.com/variedades/araraquara/2011/08/21/rainha-da-sucata.html